Eu tenho um passado.

  Eu tenho um passado qual me sinto preso, não demostro, finjo que não existe em memoria, finjo que ele nunca existiu, mas ele existe, não consigo me desprender do gosto doce das framboesas daquele lago, e das ameixas secas daquele empório, sinto saudade das manhãs geladas e do cheiro do batom vencido que ela usava mesmo passando de validade a mais de três meses, simplesmente pela cor que não existe outra que combina com aqueles olhos castanho quase mel, se fecho os olhos ouso a música boa daquela praça que tinha um mercadinho que vendia bebida barata, a biblioteca velha que ao pisar fazia ranger o piso do inicio ao fim da sala, eu era ócio, e por ele eu vivia, as tintas de cabelo e borrifador que segurava aquela juba de leão dela, onde vejo aqueles produtos me lembro como ela era triste e as vezes até era feliz, um dia bom outro ruim, mas era assim que a gente vivia.
 Eu era vendido pela necessidade da companhia dela, e ela comprada pela necessidade de não precisar de nada, ou precisava apenas do gosto das aventuras que o mundo proporcionava a nos. Era chuva, sol, rio, e o calor, era álcool, nunca cocaína algumas vezes maconha, mas ela jamais ousou de mais ao ponto de cair em solidão, eu era companheiro e ela companhia que eu queria. Bem me quer, mal me quer, eu nunca soube o que ela queria, se não queria... Era confusão em pessoa, como saber o que ela queria, se nem ela sabia, o querer ou como querer, ela não tinha tantas vontades própria... Ela só queria, há sei lá, muito confuso, nem sei explicar.
 Nos não tínhamos nada de mais, não éramos amigos, nem namorados, não éramos nada um para o outro, ela não falava muito e eu acompanhava seu ritmo de fala, éramos duas solidões uma acompanhando a outra, sem necessidade alguma de expressar sentimentos em fala, não demostrávamos nenhum sentimento, mas sentíamos, e conhecia o que o outro sentia. Lembro-me da tarde azul, que ela faltou trabalho com desculpa de doença, mas não passava de uma desculpa mesmo. Pulamos uns muros, subimos umas escadas, foram seis ou oito escadas, não lembro, mas no fim de tantos degraus, estava quente, eu olhei para o sol, fiz uma cara de quente, e ela estava lá olhando para baixo, lá embaixo tinha um rio, e era magnifico, como o rio se escondia por de trás dos prédios antigos? Como a natureza poderia viver entre a cidade? Ela estava tocada com a paisagem, eu sentir sua alma naquele momento, ela não precisou falar nada, ela nunca precisava, e eu me emocionei junto, queria chorar, abraça-la, mas nos não fazíamos isso, mas ela estava chorando, me mantive calado e sentei de cócoras do seu lado, a mente dela era uma euforia, uma confusão de pensamentos naquele momento, mas ela estava em paz por fora, eu queria me jogar de lá, e ela? Iria me acompanhar se eu fosse, mas eu optei por viver mais, só para acompanhar a sua passagem em minha vida. No fim já eram 17 horas da tarde e logo iria começar escurecer. Como aqueles olhos claros, não enxergavam muito bem, concordamos em descer. A noite chegava devagar como uma bailarina em um solo, tão leve, e os bares iam abrindo, a noite ficava colorida, cheia de luz, músicas ao fundo saia de bares que tocavam ao vivo, ela dançava pelas ruas adentro, com uma paz de espirito.
 A fome resolveu nos visitar, tínhamos 20 reais para comer, e um prato de comida esse horário passava dos 30 reais, compramos bolachas baratas e cervejas, sobravam uns centavos pra alguns cigarros, que não duravam a noite inteira, mas aquele cheiro de Marlboro vermelho não sai de mim desde aquele dia, eu não sei o que houve com ela, nem comigo, eu nunca mais a vi, ela era pura aventura, tão rebelde que nada segurava ela quando queria algo, ela foi minha paixão, ela ainda é, não sei se amo ou amei, mas quando conto nossa historia me perguntam "por que eu não vou atrás dela", eu não vou por que a vida não volta atrás, ela segue, quero viver minha nova vida, hoje eu não sou mais o menino all star preto, e cabelo longo, ela talvez não seja a menina de all star azul e cabelo vermelho pimenta. Eu tenho medo de me frustra com o novo “eu” dela, e pior frustrar ela com meu novo “eu”.
                                                                                                  Kathy Vasconcelos

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