A arte de escrever crônicas



Não existe uma formula que ensine como escrever uma crônica. Em primeiro lugar porque sendo ela arte, e não ciência, não possui um conjunto metódico de meios que se seguidos a risca levam a um resultado final – a verdade única, perfeita, absoluta. Mesmo porque a crônica não tem finalidade alguma, senão a de ser prosa fiada. Em segundo porque depende muito do cronista: ela é subjetiva. E sendo o cronista humano, cheio de particularidades, escreve de modo particular sua crônica. Há crônica para tudo havendo, portanto, crônicas diversas: sobre futebol, politica, sobre a missa que o cronista vai, sobre sexo... Os assuntos são infinitos.
Agora imagine-se o leitor, sentado diante de uma folha de papel em branco, pensando no que escrever. Imagine o leitor que para escrever uma crônica deve deter-se de assuntos sérios. Deve escrever sobre coisas grandes. Asseguro: se o leitor pensa assim, fracassará na arte de ser cronista. Quanto menor a importância do assunto – no plano mundial – com toda certeza mais gotosa será a crônica. Não só a crônica, mas a literatura de um modo geral, se faz de assuntos pequenos, de amenidade. O leitor pode escrever sobre a namorada que o traiu, o dente que quebrou, o botão da calça que caiu... Sobre o que ele quiser. Há apenas um segredo: o assunto tem que surgir das profundezas de seu coração. Tem que possuir uma pitada de nostalgia. 
Mudando de assunto... outro dia estava tentando lembrar o que me levou a gostar de poesia. Algo interessante sobre o passado é que ele pode ser criado por mim. Ele não é uma sombra estática de fatos que se tornam absolutos por não mais existirem. Ao contrario, sempre que penso no meu passado, o faço de uma perspectiva presente, tendo, portanto, liberdade para modelá-lo. É como se eu tivesse uma massinha de modelar nas mãos. Manoel de Barros compreendeu muito bem isso. Percebeu que todas as nossas memórias são inventadas: e inventou as suas. Uma boa terapia seria todos os homens fazerem está experiência – inventar suas memoria. Assim voltando a elas, sentiriam o mesmo sabor, adoçado com a experiência.
Não lembro quem foi o primeiro poeta que li, mas lembro que já nessa primeira leitura me encantei pela poesia. Os rumos daquela primeira poesia que não consigo recordar me arrebataram. Quis tentar escrever os meus. Ainda era muito menino e mal sabia ler ou escrever. Quando tinha mais idade, vi num livro de literatura – da minha tia – uma imagem que me marcou: a imagem de alguns cavalheiros bem vestidos, com óculos de aro e cigarro entre os dedos. Encontrei-me com aquela imagem, o cigarro e os óculos. Li sobre suas vida ainda naquele livro. Decidi que queria ser poeta.
Quando adolescente, rabiscava uns versinhos que encantavam as meninas. Descobri, nessa época, o prazer da sedução. E minha ferramenta era a poesia. Foi nessa época que descobri Mário Quintana, na biblioteca da escola. Ah! Fiquei maravilhado com seus poemas, uns versos que não necessitavam de rimas. Fiquei apaixonado com o que ele dizia. Mudei meu estilo e resolvi escrever só para mim, com a alma. Aos dezesseis anos decidir morrer aos vinte e seis de tuberculose, após ter publicado dois livros. Já por essa época conhecia os versos de Fernando Pessoa e conhecia o poeta como um ser trágico. O único capaz de compreender a existência humana. Já por essa época tinha o hábito de ficar deprimido por dias, trancado no quarto, lendo poesia. Dizia à uma amiga: poesia é meu remédio para alma.
A poesia me abriu as portas para a filosofia e a literatura de um modo geral. E se comecei a devorar o mundo para compreendê-lo melhor, foi graças a ela. Hoje sou porta (não profissional, pois estes não existem) reconhecido por meus amigos e outras pessoas que gostam do que escrevo. E hoje compreendo melhor o que é ser um poeta. É difícil continuar amando poesia depois dos 20. É uma tarefa árdua. Pior ainda é permitir que ela seja o que há de mais essencial em si, que ela seja seu destino. Isso é realmente ser um poeta! Escrever versos qualquer um pode fazer, mas ser realmente poeta está na essência de poucos.
Iniciei esta crônica dizendo que crônica é prosa fiada e termino exemplificando minha afirmação. Faço um convite ao leitor experimente escrever. Alivia o peso da alma
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(Felipe Catão Pond) 

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