Verônica
“Deus
disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles
dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as
feras e todos os repteis que rastejam sobre a terra.’ Deus criou o homem à sua
imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Deus os
abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e
submetei-a’” (Gn 1, 26-28b).
Uma vez um amigo meu,
que é judeu, me disse que primeiro Deus criou os animais e depois os seres
humanos para que os seres humanos aprendessem com os animais a copular. (“Copular!”
que palavra engraçada! Nem sei porque a disse). Ou seja, os animais serviram
como instrumento pedagógico para o homem aprender a transar. Faz sentido,
pensei na época, mais sentido do que a interpretação cristã.
Faz muitos anos que não
leio a bíblia e até agora não sei porque a peguei para ler. Mas pensando no que
o meu amigo judeu disse sobre a interpretação desse trecho do Gênesis, de algum
modo, pensei em Verônica. Qual a relação entre uma coisa e outra? Talvez Freud
tenha razão. Porém, não sinto nenhuma atração por Verônica (ou pelo menos nunca
senti). Quer dizer, pensando bem, há muito tempo atrás (coisa de anos) eu tive
um sonho erótico com ela. Na época, eu lhe contei, ela riu até lhe faltar o
fôlego e eu, vermelho, apenas disse: “Mas nada a ver, né?” Ela, cessando o
sorriso, respondeu: “É possível. Você é gatinho... Mas é: nada ver”. E juntos
rimos. Talvez tudo tenha ficado nas minhas gavetinhas inconscientes até agora,
quando sem querer as abri.
Verônica é uma mulher
atraente. Atraente e livre, o que é bom. Não para mim é claro. Ou talvez sim,
levando em conta a resposta dela naquela época. O fato é que agora estou
sentindo tesão por ela. Queria mandar um zap. Mas dizendo o quê? Faz tanto
tempo que a gente não se fala. Desde que ela se envolveu (pela primeira vez)
emocionalmente com um cara. Eu me incomodei com a relação deles, disse à ela
que ele não me parecia ser uma boa pessoa; a gente brigou e desde então não nos
falamos. Exceto há duas semanas, quando ela me mandou mensagem perguntando se
eu estava bem. Fui tão frio naquele dia. Talvez hoje seja o dia dela de ser
fria comigo. Se o Sérgio estivesse aqui, me incentivaria a mandar. Seu argumento
clichê seria “o máximo que ela pode fazer é responder com um não”; pena que ele
morreu há seis meses num acidente. Lembrar dele me deu vontade de chorar e
beber, mas prometi a mim mesmo que não iria mais beber. Vou mandar mensagem.
“Oi Vera!”
“Oi feio!”
“Tudo bem contigo?”
“Sim, graças ao Wolverine!”
“Ainda com essa? Kkkk”
“O que foi?”
Esse “O que foi?” seco
e entediado me deixou nervoso. Que merda, ainda pouco a Verônica era como um
brother e agora me sinto nervoso diante de uma possível rejeição.
“Estava pensando em
você...”
“Essa é nova!”
“Sério, pow”
“O quê pensou?”
“Sei lá... que nunca
mais a gente se falou, saiu. Não vai rir, mas deu saudade.”
“Senti tua falta
também!”
“Sério?!”
“Claro! Você é meu
único amigo e do nada você dá chilique e para de falar comigo.”
“Perdão... eu não sei
por que aquele cara me incomodava tanto.”
“Ou talvez saiba, mas
não queira admitir.”
“É possível...”
Ela viu a mensagem, mas
não respondeu. Talvez estivesse esperando que eu desse o próximo passo. O problema
é que eu não estava certo se deveria ou não dar o próximo passo. Quero, mas
tenho medo do que pode acontecer e de que nos afastemos mais – e de maneira
definitiva. Deixei o coração falar:
“Quer sair?”
“Claro!”
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Nosso encontro foi tão
revelador. Ela confessou que sempre gostou de mim, por isso se aproximou. Porém,
percebeu logo o quanto eu sou tapado e que nem em um milhão de anos eu
perceberia. Foi então que ela decidiu abandonar o “amor platônico” e se tornar
minha amiga. Pelo menos assim, segundo ela, teria minha companhia. O típico clichê.
Por isso, nunca teve nada de significativo com ninguém, a não ser com aquele
cara. Por que com ele? Ela não soube responder.
A gente foi pra casa
dela depois do jantar, ouvimos MPB e transamos no sofá dela. Confesso que foi a
primeira vez que eu realmente senti prazer na vida. Foi gostoso de verdade. Depois
de copular (sic), nos deitamos no chão, nus. Ela acariciava o meu rosto, olhava
fixamente nos meus olhos. Observei que em seus olhos tristeza e alegria se confundiam
e se misturavam. Aquilo me deu um frio na barriga. Foi então que ela disse que
não era pra eu me apegar porque em breve ela iria viajar... viajar para o Rio
de Janeiro com o noivo. O clichê Sérgio estava errado: era bem mais que um NÃO;
senti como uma paulada no estômago (sim, eu já levei uma paulada no estômago –
quase morro). Fiquei atordoado sem saber bem o que dizer. Quem era o noivo? Bem,
era o dito cara. Por isso, ela não quis falar sobre ele quando nos encontramos
no lanche. Eles terminaram quando ele viajo, porém, ele ligou um dia, chorando,
pedindo para eles reatarem. Ela, no ímpeto de sua solidão e desapontamento
comigo, aceitou. Ela viaja hoje. Pediu que eu a acompanhasse até o aeroporto. Ainda
tentei convencê-la a ficar, mas ela está decidida. Me disse que as
circunstâncias são, nesse caso, maiores que o amor.
Ainda pouco, antes de o
avião sair, ela me mandou um sms dizendo: “Te amo Carlinhos! Fica triste não!” Porra,
essa foi lá no fundo da alma. Aqui no barzinho tá tocando Caetano e não sei
porque, mas tudo ficou meio melódico. Não aguentei, acabei bebendo e chorando
feito um desses clichês de livro infanto-juvenil.
(Felipe Catão)


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