Uma lição platônico-socrática
Estamos vivendo, no país, um momento de profundo entorpecimento e obscurantismo. A ignorância, a violência, as injustiças, o fanatismo, a mentira tem sido uma constante. Tem sido, inclusive, o programa de muitos políticos, como no caso do presidenciável Jair Bolsonaro, que usa da ofensa, agressão, mentira como plataforma para se destacar no ambiente político. Diante desse contexto, trago uma lição dada por Sócrates/Platão e pela filosofia grega.
Sócrates dissera que o que há de mais precioso no ser humano é sua alma racional e que, graças a sua razão, o ser humano pode ser justo e praticar a virtude. O contrário disso, a irracionalidade e a ignorância, são expressões e causas da violência. Para Sócrates, o primeiro tipo de violência é a que o ser humano comete contra si mesmo, se deixando levar pela busca irrefletida e imoderada dos prazeres, emoções impensadas, irracionais, que nos arrastam para direções contrárias e nos deixam sem saber o que fazer; crescem por si mesmas e tomam conta de todo nosso ser. Qual violência há no poderio irracional das paixões? A violência que contraria nossa razão, que vai contra ela, a razão, que é nossa melhor parte.
Quando não deixamos nossa parte superior (a razão) se desenvolver, nos tornamos vítimas de nossa própria ignorância; somos dominados e governados pelos objetos de nossos desejos e apetites. Além disso, fazemos também violência aos outros, pois a paixão não quer possuir sozinha tudo que lhe traga prazer e luta contra os demais por essa posse; nos torna tirânicos, fazendo-nos desejar impor nossa vontade e opinião aos demais, encontrando prazer em os dominar e submeter. Somos injustos com outro porque nos deixamos levar pela ignorância, pela desrazão. As paixões nos fazem ser heterônomos – somos governados pelas coisas que desejamos – e nos fazem querer que os outros sejam heterônomos – sejam governados por nossa vontade. Elas são um tonel furado que nunca pode ser enchido e o conflito dos prazeres é violência contra si mesmo e contra os outros.
O segundo tipo de violência, segundo Sócrates, é a violência que os seres humanos praticam entre si, como na política e na guerra, na religião e na educação. Em todos esses casos, é a autonomia, a liberdade e, sobretudo, a independência para julgar, que estão comprometidas. Desordem e conflito, falta de proporção, equilíbrio e medida constituem a violência recíproca.
A violência e injustiça, são realizadas, principalmente, por meio de dois instrumentos: pela força física e das armas e pela palavra. E é particularmente esta última que interessa a Platão/Sócrates: o combate a violência e a injustiça, realizado por Platão, começa pelo combate à mentira, isto é, a linguagem que deliberadamente diz o falso por meio de ilusões, simulações e dissimulações, conseguidas com palavras belas e astutas.
A ignorância, na filosofia platônico-socrática, é a raiz das injustiças e das formas de violências existentes na sociedade. E de fato, é isto que temos observado: quanto mais a ignorância (expressas no fanatismo religioso-politico, nas fake news, no fundamentalismo, nos julgamentos com base em convicções, nos discursos de ódio) cresce, mais a violência cresce como consequência. A proposta de Platão/Sócrates parece simples: acabar com ignorância a partir da busca do saber, a partir da investigação filosófica. Apenas parece simples, mas não é: a investigação filosófica exige, primeiramente, que o ser humano reconheça sua própria ignorância, seus preconceitos, seus pré-juizos. É quase impossível que o ser humano se dê conta dessas coisas. Ele vive agarrado a presunção de que a sua opinião (fundamentada na ignorância) é a única verdade possível. E a presunção do saber é um obstáculo para o conhecimento e as pessoas, particularmente nas redes sociais, estão cheias dela.
O fascismo é fruto dessa tirania de quem quer impor suas convicções, opiniões, “certezas” como a verdade para todos. Não há outro modo de convencer alguém do erro e da mentira, a não ser através da violência. Bolsonaro só é possível num contexto onde a ignorância e a violência são a regra, no jogo político. Inclusive, não é nenhuma coincidência ele ter crescido nas pesquisas exatamente quando o fascismo, a violência, as fake news, o ódio, também cresceram. Bolsonaro representa o contrário do que é o governante ideal, para Platão.
Para Platão, especificamente, o único líder viável é o amante do saber, aquele que supera a ignorância e as paixões, o ser humano virtuoso, que não se deixa corromper e, tampouco, deixa que os outros se corrompam; o filósofo (o que ama a sabedoria), por excelência, que tem o dever de envolver a sociedade na experiência da verdade.
Que a reflexão política e social, seja pautada no respeito, na tolerância, na busca do conhecimento, na investigação e averiguação das fontes; que não se deixe levar por opiniões, convicções (cegas), certezas inspiradas no ódio. Que cada vez mais o ataque seja as ideias, não as pessoas. E um ataque sem o ódio e a ignorância como pano de fundo, mas um ataque bem fundamentado. As únicas coisas intoleráveis são o fascismo e a tirania – estes devem ser combatidos. Por uma política mais racional e menos emocional!
(Felipe Catão)


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